O que nos diz o Índice de Normas Sociais de Gênero?

Periodicamente a ONU refaz a pesquisa sobre o indicador e o impressionante é que, na última década, quase nada mudou

Por Margot Andras*

Isso seria uma boa notícia se os índices fossem razoáveis, mas é triste e alarmante quando vemos que 90% das pessoas (independente de gênero ou sexo) possuem algum preconceito contra mulheres, que 50% ainda acreditam que homens são melhores líderes políticos e que mais de 40% creem que eles também são melhores executivos de negócios.

Para chocar ainda mais, 25% das pessoas do mundo acreditam ser justificável um homem bater na “sua” mulher, sem nem sequer questionar essa inferência (quem é de quem?) frente ao fato de que a propriedade de pessoas já foi banida há muito tempo.

É claro que a manutenção dessas crenças e preconceitos gera muitos dos obstáculos e das dificuldades enfrentadas pelas mulheres, além de inúmeras violação de direitos humanos. Neste momento, em que parte do mundo tende à direita e ao conservadorismo, vemos, inclusive, manifestos contra a igualdade de gênero e os direitos das mulheres.

Há uma sub-representação das mulheres em cargos políticos e de liderança — fator que talvez pudesse, pela representatividade, provocar mudanças. Desde 1995, no entanto, temos uma média de 10% de mulheres como chefes de Estado e o percentual não chega a 30% nos parlamentos. Nos cargos gerencias das empresas, isso se repete: menos de 1/3 das vagas é ocupado por mulheres, havendo uma total desconexão entre o progresso das mulheres na educação e seu empoderamento econômico.

As pesquisas afirmam que hoje as mulheres têm mais habilidades e níveis de educação do que nunca. Porém, mesmo nos 59 países onde elas agora têm melhores índices educacionais que os homens, a diferença média de renda entre os gêneros permanece em quase 40% a favor dos homens, o que é inaceitável.

“Normas sociais que prejudicam os direitos das mulheres também são prejudiciais para a sociedade de forma mais ampla, prejudicando a expansão do desenvolvimento humano. Na verdade, a falta de progresso nas normas sociais de gênero está ocorrendo em meio a uma crise de desenvolvimento humano: o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) global diminuiu em 2020 pela primeira vez na história — e novamente no ano seguinte. Todos têm a ganhar ao garantir liberdade e autonomia para as mulheres”, afirma o chefe do Escritório do Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) global, Pedro Conceição.

Sabemos que esse estudo de nada servirá se os governos não se debruçarem sobre ele e fizerem o “dever de casa”, pois são eles que desempenham papel crucial nessa mudança das normas sociais de gênero. Para isso, é essencial investir em leis e medidas políticas que promovam a igualdade das mulheres na participação política, ampliar os mecanismos de segurança (fortalecendo os sistemas de proteção social e de cuidado) e incentivar intervenções inovadoras que possam ser particularmente eficazes para desafiar normas sociais prejudiciais, atitudes patriarcais e estereótipos de gênero. Além disso, é preciso realizar campanhas públicas sobre responsabilidade e cuidado, combater discursos de ódio on-line e desinformação, e promover políticas públicas de valorização e de oportunidades, bem como reformas no mercado de trabalho e na relação de trabalho e emprego de mulheres.

“Um ponto importante para começar é reconhecer o valor econômico do trabalho de cuidado não remunerado. Isso pode ser uma forma muito eficaz de desafiar as normas de gênero em torno da forma como o trabalho de cuidado é visto. Em países com os maiores níveis de preconceito de gênero contra as mulheres, estima-se que as mulheres despendem acima de seis vezes mais tempo do que os homens em trabalho de cuidado não remunerado”, afirma a diretora da Equipe de Gênero do Pnud global, Raquel Lagunas.

O relatório recomenda abordar diretamente as normas sociais por meio da educação para mudar as visões das pessoas, o que realmente é fundamental junto com políticas e mudanças legais que reconheçam os direitos das mulheres em todas as esferas da vida e uma maior representação das mulheres em processos de tomada de decisão e políticas.

A falta de progresso no Índice de Normas Sociais de Gênero reflete violações dos direitos humanos e é um desperdício social mundo afora.

Acesse o relatório

*Margot Andras é coordenadora da Secretaria de Defesa das Diversidades, Direitos Humanos e Respeito às Etnias e Combate ao Racismo

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo