As prioridades de Bolsonaro em 2021: armas, costumes, privatização e mineração
Na abertura do ano legislativo, Bolsonaro falou de realizações que não são dele e que, em 2020, trabalhou para “salvar vidas e a economia” ante a pandemia
São Paulo – Antes de começar seu discurso na sessão solene realizada na tarde de ontem (3), no Congresso Nacional, para dar início ao ano legislativo, o presidente Jair Bolsonaro ouviu gritos de “fascista” e “genocida”, que lhe foram dirigidos pela oposição. “Nos encontramos em 22”, retrucou. Em “lua de mel” com o Legislativo, afagou e agradeceu inúmeras vezes deputados e senadores. Depois de se eleger atacando a “velha política”, e passar o primeiro ano e meio de mandato em confronto com partidos e instituições da República, fechou um acordo com o Centrão em meados de 2020. E conseguiu eleger os presidentes da Câmara e do Senado para o biênio 2021-2023, esta semana.
O presidente da República espera agora que o bom momento seja traduzido por projetos aprovados no Congresso. Antes da cerimônia, entregou a Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco, do Senado (DEM-MG), uma lista com mais de 30 projetos que o governo considera prioritários (leia abaixo). Além dos chefes do Legislativo e Executivo, o evento teve a presença, e discurso, do presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux.
Mentiras
Bolsonaro leu uma enorme lista de realizações que atribui a seu governo, muitas das quais não foram nem mérito, nem iniciativas suas. “Foi instituído o auxilio emergencial, que alcançou mais de 68 milhões de brasileiros”, disse. Mencionou os R$ 3 bilhões destinados a artistas pela Lei Aldir Blanc, a aprovação do novo Fundeb e a chegada da aeronave sueca Gripen F-39. Nenhuma dessas realizações – entre outras mencionadas no discurso – foi resultado de seu governo.
Com seu ministro da Economia, Paulo Guedes, o Planalto inicialmente era contra o auxílio emergencial e a Lei Aldir Blanc. Também fez o que pôde para boicotar o novo Fundeb, principalmente no período em que o MEC era comandado pelo ministro Abraham Weintraub, de abril de 2019 a junho de 2020. Essas propostas foram aprovadas no Congresso por pressão da oposição e, como vários de seus parlamentares reconhecem, pelas negociações conduzidas pelo agora ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Já o contrato de compra dos caças F-39, fabricados pela empresa sueca Saab, foi assinado em 2014, no governo Dilma Rousseff, depois de longa negociação iniciada no período de Luiz Inácio Lula da Silva. As empresas Boeing (norte-americana) e Dassault (francesa) disputaram as negociações, vencidas pelos suecos, com a previsão da entrega de 36 aeronaves de combate e transferência de tecnologia.
Discurso x realidade
No discurso, Bolsonaro afirmou que 2020 “surpreendeu a todo mundo” com a pandemia de covid-19. Mas destacou que “o governo federal adotou duas premissas básicas: salvar vidas e a economia. E e agiu com um único objetivo: atender às necessidades da população brasileira”. A afirmação contraria frontalmente as atitudes do presidente na crise, ao negar a ciência, atacar o uso de máscaras e as próprias vacinas, defender o “tratamento precoce” e medicamentos comprovadamente sem eficácia contra a doença.
O presidente do STF discursou pregando a “harmonia” entre os poderes. “O fortalecimento das instituições, da democracia e das liberdades humanas e de imprensa não conhecem tempo nem espaço, porquanto atemporais e universais”, disse Fux.
Em suas falas, Rodrigo Pacheco e Arthur Lira também defenderam o trabalho conjunto de Executivo, Legislativo e Judiciário. O presidente do Senado, porém, é considerado de fato mais conciliador. “Devemos superar os extremismos, que vemos surgirem de tempos em tempos, de um ou de outro lado, como se a vida tivesse um sentido só, uma mão única, uma única vertente”, disse Pacheco.
Pauta “boiada”
A lista de prioridades entregue por Bolsonaro ao Legislativo é longa e extremamente preocupante. Entre as propostas na área econômica, mais ultraneoliberalismo. A PEC Emergencial, com mecanismos de “controle de despesas públicas” para União, estados e municípios, está no “cardápio”. Que inclui ainda autonomia do Banco Central e privatizações, entre as quais da Eletrobras, citada nominalmente pelo presidente. Reformas administrativa e tributária também são consideradas prioridades.
O governo pretende flexibilizar ainda mais as regras que regulam compra, porte e posse de armas de fogo. Uma das propostas autoriza o porte dessas armas a todos os guardas municipais do país, o que hoje é restrito somente a agentes municipais das capitais e municípios com mais de 500 mil habitantes. Outra proposta regulamenta ações de militares que não seriam punidas em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
A mineração em terras indígenas, licenciamento ambiental, concessões florestais, ensino doméstico (homeschooling), entre outros projetos, também estão entre as dezenas de prioridades encaminhadas ao Legislativo pelo governo de Jair Bolsonaro.