Análise sobre a nefasta decisão do STF quanto à atualização de créditos trabalhistas

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

Em sua quase cotidiana sanha de desproteger os direitos fundamentais sociais voltados ao mundo do trabalho, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar as ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) 58 e 59, e as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 5867 e 6021, bate-lhes mais um prego sem estopa, dando ampla extensão às rachaduras que já apresentam, fazendo-o em total afronta aos valores sociais do trabalho (Art. 1º, IV, da CF), à valorização do trabalho humano (Art. 170, caput, da CF) e ao primado do trabalho (Art. 193, da CF).

2 Nesse julgamento, o STF limitou a correção dos créditos trabalhistas à taxa Selic, que já inclui correção monetária e juros; além disso, conferiu ao acórdão, ainda publicado, eficácia erga omnis (alcançando todos), com efeito vinculante.

3 Com essa decisão altamente nociva aos já combalidos créditos trabalhistas, a sua correção — que, até então, garantia juros de mora de 12% ao ano (1% ao mês) — fica limitada a míseros 2%, atual percentual fixado para Selic, que, repita-se, para enfatizar, engloba correção e juros de mora.

4 Se o descumprimento dos direitos trabalhistas já se constituía em lucrativo negócio — seja pelo fato de considerável parcela dos trabalhadores não os cobrar judicialmente; seja pela possibilidade de, em acordo judicial, reduzi-los a valores ínfimos; seja pela demora na execução, seja prescrição intercorrente —, tornou-se muito mais atrativo e irresistível para quem não tem compromisso social com a referida decisão do STF.

5 A danosa decisão acha-se assim exarada:

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 879, § 7º, e ao art. 899, § 4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467 de 2017, no sentido de considerar que à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil), nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Por fim, por maioria, modulou os efeitos da decisão, ao entendimento de que (i) são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão (na ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória) todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês, assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês; (ii) os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento (independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal) devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa Selic (juros e correção monetária), sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC) e (iii) igualmente, ao acórdão formalizado pelo Supremo sobre a questão dever-se-á aplicar eficácia erga omnes e efeito vinculante, no sentido de atingir aqueles feitos já transitados em julgado desde que sem qualquer manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros (omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais), vencidos os Ministros Alexandre de Moraes e Marco Aurélio, que não modulavam os efeitos da decisão. Impedido o Ministro Luiz Fux (Presidente). Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber (Vice-Presidente). Plenário, 18.12.2020 (Sessão realizada por videoconferência – Resolução 672/2020/STF)”.

6 Vale trazer à baila nove objeções opostas a essa famigerada decisão pelo ministro do TST Cláudio Brandão — baluarte da defesa dos valores sociais do trabalho e da valorização do trabalho humano, nesse tribunal —, no processoTST-RR 1836-79.2015.5.09.0010, julgado pela 7ª Turma, aos 3/3/2021, não obstante votar pela sua aplicação, em obediência à tese vinculante fixada pelo STF, em julgamento conjunto das ADCs 58 e 59, e ADI 5867.

A Ementa do Acórdão acha-se assim lavrada:

“PROCESSO Nº TST-RR – 1836-79.2015.5.09.0010

 A C Ó R D Ã O 7ª Turma

RECURSO DE REVISTA DO RÉU. LEI Nº 13.467/2017. DÉBITOS TRABALHISTAS. JULGAMENTO CONJUNTO DA ADC Nº 58, ADC Nº 59, ADI Nº 5.867 E ADI Nº 6.021. INCONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DA TR. LACUNA JURÍDICA. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO AO ARTIGO 879, § 7º, DA CLT. INCIDÊNCIA DO IPCA-E NA FASE PRÉ-JUDICIAL. INCIDÊNCIA DA TAXA SELIC A PARTIR DA CITAÇÃO. UTILIZAÇÃO DO CRITÉRIO DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA DAS CONDENAÇÕES CÍVEIS EM GERAL. ARTIGO 406 DO CÓDIGO CIVIL. CRITÉRIO ÚNICO DE ATUALIZAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CONSTATADA. No julgamento conjunto da ACD nº 58, ADC nº 59, ADI nº 5.867 e ADI nº 6.021, o Supremo Tribunal Federal (Plenário, 18.12.2020 – Sessão realizada por videoconferência – Resolução 672/2020/STF) firmou que à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial na Justiça do Trabalho “deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as hipóteses de condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do ICPA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil)”. Nessa oportunidade, decidiu-se, também, quanto à modulação dos efeitos da decisão, nos seguintes termos: “(i) são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão (na ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória) todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês, assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês; (ii) os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento (independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal) devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa Selic (juros e correção monetária), sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC).” Em observância ao decidido no referido julgamento, merece reforma o acórdão regional. Ressalva de posicionamento do Relator. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido”.

Suas judiciosas objeções foram consignadas nos seguintes literais termos:

“Antes de tudo, não posso deixar de externar a profunda reserva que faço à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Por primeiro, revela incoerência interna e contraria toda a sua jurisprudência quanto ao tema, em virtude de haver reconhecido que a TR é – como sempre foi – inconstitucional, como critério de atualização dos créditos trabalhistas, por ser taxa pré-fixada e não refletir a inflação do período de apuração. Não obstante, ao definir a taxa incidente a partir da citação, adotou a Selic, taxa esta que, de acordo com o Banco Central do Brasil, é igualmente pré-fixada e não mede a inflação, tese consagrada desde 1992 (ADI 493, Rel. Min. Moreira Alves).

Em segundo lugar, por contrariar toda a fundamentação até então consagrada na jurisprudência, no sentido de que essas taxas, por não medirem a perda do poder aquisitivo da moeda, atingem o direito de propriedade do credor (art. 5º, XXII), a coisa julgada (art. 5º, XXXVI); atentam contra o princípio da separação dos Poderes (art. 2º) e o princípio da isonomia (art. 5º, caput). Todos esses fundamentos foram consagrados, de modo expresso, na ratio decidendi da ADI nº 4425/DF. Rel. Min. Ayres Britto. Red. p/ac Luiz Fux. Tribunal Pleno, julgada em 14/03/2013, e posteriormente ratificados no RE nº 870.947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 20/09/2017. 

Esse último precedente, aliás, originou-se da questão jurídica em torno do índice a ser utilizado para apuração do crédito junto à Fazenda Pública no período anterior à expedição do precatório e, de acordo com as palavras do Ministro Relator, o que estava em jogo era “… o direito fundamental de propriedade do cidadão (CRFB, art. 5º, XXII) e a restrição que lhe foi imposta pelo legislador ordinário ao fixar critério específico para a correção judicial das condenações da Fazenda Pública (Lei nº 9.494/97, art. 1º-F)” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 870947, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017, publ. 20-11-2017. Disponível em . Acesso em: 09 ago. 2020). 

Em terceiro lugar, por haver reconhecido, a mais não poder, a existência de distintos cidadãos, conforme tenham ou não o direito de recomposição plena das perdas inflacionárias: os privilegiados, que terão o direito reconhecido, e os demais, aos quais o mesmo direito será negado. Entre os primeiros, quaisquer pessoas, naturais ou jurídicas, que possuam créditos a receber junto à Fazenda Pública, inclusive magistrados e servidores (ADI nº 5348, Relatora Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 11/11/2019); entre os últimos, os empregados do setor privado. 

Em quarto lugar, por haver introduzido no debate sobre a inconstitucionalidade da taxa a ser utilizada  para correção monetária os juros de mora, que possuem natureza jurídica inteiramente distinta, previsão legal expressa em dispositivo não alterado pela Lei nº 13.467/2017 e, que, por conseguinte, estava fora do debate jurídico.

Em quinto lugar, por contrariar os deveres de integridade e coerência, inseridos no sistema processual brasileiro (artigo 926) e a serem aplicados por todos os tribunais brasileiros, inclusive o próprio STF. 

Em sexto lugar, por ignorar a existência de percentual de 1% a título de juros de mora para outra espécie de crédito – o tributário (art. 161, § 1º do Código Tributário Nacional – o qual deveria ser adotado, caso reconhecida a necessidade de regra suplementar, diante da previsão contida no artigo 889 da CLT). 

Em sétimo lugar, por haver contrariado fundamento incorporado anteriormente pelo próprio STF no sentido de que o fato de o cidadão ser obrigado a recorrer ao Poder Judiciário para receber o que lhe é devido não pode ser visto como um investimento ou negócio jurídico. São palavras do Ministro Luiz Fux, relator no RE nº 870.947. 

Em oitavo lugar, por representar estímulo ao retardamento na quitação do débito e contrariar fundamento já adotado na Corte em julgamento precedente sobre o tema: “quanto mais tempo a Fazenda Pública postergar a quitação de seus débitos, menor será, em termos reais, o valor da sua dívida, corroída que estará pela inflação. Nesse contexto, é nítido o estímulo ao uso especulativo do Poder Judiciário” (Ministro Luiz Lux, Relator, RE nº 870.947). 

Por fim, por contribuir para o aumento dos índices de congestionamento da execução e, em última análise, atentar contra o princípio constitucional da duração razoável do processo (artigo 5º, LXXVIII), na medida em que representa contribuição para retardar o cumprimento da sentença. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, a Justiça do Trabalho é o ramo do Poder Judiciário que apresenta o melhor desempenho na execução de suas decisões (índice de congestionamento (73%), quando comparada com os demais ramos do Poder Judiciário – Justiça Estadual – 82%; Justiça Eleitoral – 80%; Justiça Federal – 88% e Justiça Militar estadual – 93%). Doravante, com correção monetária inferior à inflação, o cenário muito provavelmente será alterado – para pior. 

Apesar dessas ressalvas pessoais, não há como deixar de ser aplicada a decisão do STF, diante de sua força vinculante, e, por isso, conheço do recurso de revista, por violação do artigo 2º, caput, da Constituição Federal.

ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, CONHECER do recurso de revista, por violação do artigo 2º, caput, da Constituição Federal, e, no mérito, DAR-LHE PROVIMENTO PARCIAL para determinar que a atualização dos créditos trabalhistas reconhecidos na presente ação observe os seguintes parâmetros, adequados aos limites temporais da modulação dos efeitos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto da ACD nº 58, ADC nº 59, ADI nº 5.867 e ADI nº 6.021: a) incidência do IPCA-E na fase pré-judicial; b) a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil). Por medida de economia e celeridade, com esteio no artigo 525, § 1º, III, §§ 12 e 14, do CPC, e, ainda, na decisão proferida no julgamento da ADI nº 2418 – DJE de 17/11/2016 -, considerando que o presente feito ainda se encontra na fase de conhecimento, qualquer alteração na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito das ações já mencionadas, deverá ser observada na fase de liquidação, em razão da eficácia vinculante e erga omnes própria dos acórdãos proferidos nas ações de controle concentrado de constitucionalidade. 

Fica mantido o valor da condenação, para fins processuais. 

Brasília, 3 de março de 2021. 

CLÁUDIO BRANDÃO Ministro Relator”.

7 Igualmente, merece transcrição, aqui, os excertos da decisão tomada pela 6ª Câmara da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com sede em Campinas-SP, acolhendo lapidar voto do desembargador Jorge Luís Souto Maior, reconhecido madrugador na intransigente defesa do Estado de Bem-Estar Social, preconizado pela CF de 1988.

Identificação 3ª TURMA – 6ª CÂMARA PROCESSO TRT/15a Nº 0012372-23.2017.5.15.0137 

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ESTABELECIMENTOS BANCARIOS DE PIRACICABA E REGIAO 

RECORRENTE: BANCO ALFA S.A. RECORRENTE: FINANCEIRA ALFA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS RECORRENTE: ALFA ARRENDAMENTO MERCANTIL S.A. 

ORIGEM: 3ª Vara do Trabalho de Piracicaba 

Juiz sentenciante: ISABELA TOFANO DE CAMPOS LEITE PEREIRA 

EMENTA: CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS TRABALHISTAS. ENTENDIMENTO FIXADO PELO STF NAS ADCs 58 e 59. INCONSTITUCIONALIDADE DA TR. APLICAÇÃO DO IPCA-E E DA TAXA SELIC (ART. 406 DO CÓDIGO CIVIL). EQUIPARAÇÃO DO CRÉDITO TRABALHISTA AO CRÉDITO CIVIL. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR (JUROS COMPENSATÓRIOS). APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 404 DO CÓDIGO CIVIL I- ATUALIZAÇÃO DO CRÉDITO: IPCA-E E SELIC (ART. 406 DO CÓDIGO CIVIL) Apreciando o mérito das ADCs 58 e 59, o STF, em dezembro de 2020, definiu a nova forma de atualização dos créditos trabalhistas e rechaçou a aplicação da TR, substituindo-a pelo índice do IPCA-E. Além disso, afastou a aplicação dos juros de mora fixados na Lei n. 8.177/91, limitou a aplicação do IPCA-E até a data da citação (notificação do reclamado) e determinou a aplicação, desta data em diante, da taxa SELIC, conforme previsto no art. 406 do Código Civil, fixando o pressuposto da equiparação dos créditos trabalhistas aos créditos civis.

II- MODULAÇÃO Conforme definido na Resolução 672/2020, publicada pelo STF no dia 18 /12/20: – são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão (na ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória) todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês; – devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês; – os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento (independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal) devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa SELIC (juros e correção monetária), sob pena de futura alegação de colisão com o posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC). 

III- LIMITAÇÃO TEMPORAL A aplicação desses parâmetros, no entanto, só tem vigor a partir da vigência da Lei n. 13.467/17 (11/11/17), vez que as ADCs 58 e 59 se destinavam, precisamente, a questionar a constitucionalidade do § 7º do artigo 897 da CLT, que foi introduzido pela referida lei. Antes disso, o índice de correção monetária trabalhista, inclusive para devedores entes públicos, será o IPCA-E (a partir de 30/06/2009), acompanhado dos juros fixados na Lei n. 8.177/91.

IV- EFEITO DA EQUIRAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS E INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR/JUROS COMPENSATÓRIOS (APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 404 DO CÓDIGO CIVIL) A decisão do STF, de forma vinculante, equiparou o crédito trabalhista ao crédito civil e é a partir dessa equiparação que se deverá, enfim, conceber o desrespeito ao direito trabalhista como um ato ilícito, o que impõe a superação da restrição indevidamente imposta de onerar o desrespeito à lei, que se integra aos contratos de trabalho na forma de conteúdo obrigacional, apenas com os efeitos da incidência de juros mortuários judiciais (desde a propositura da reclamação) e correção monetária, atraindo, por consequência, a possibilidade de se imputar ao empregador que agiu ilicitamente a obrigação de reparação das perdas e danos experimentados pela vítima, sendo que a indenização resultante poderá, inclusive, ser fixada de ofício pelo juiz, conforme prevê expressamente o art. 404 do Código Civil, seguindo as diretrizes traçadas para o regramento da responsabilidade civil, nos moldes dos artigos 186, 187, 927 e 944 do Código Civil. 

O dano, no caso, está pressuposto (não requerendo, pois, uma prova) pelo próprio fato de que os juros praticados (ainda mais quando aplicáveis apenas a partir da propositura da reclamação, momento em que, segundo o novo padrão fixado, deixa de se aplicar a correção monetária, pois, em concreto, a SELIC é uma taxa de juros) são incapazes de cobrir o prejuízo do trabalhador que somente depois de anos vai reaver o que é seu por direito, sendo esta exatamente a hipótese tratada no parágrafo único do art. 404 do Código Civil (que, ademais, se aplica mesmo quando os juros de mora tenham sido fixados, fazendo com que a sua incidência não esteja impedida pela aplicação do art. 406). 

A aplicação do parágrafo único do art. 404 do Código Civil, ademais, é o que garante que efetivamente se caminhe, como determinado pelo STF, em direção a uma equiparação do crédito trabalhista ao crédito civil, até porque o art. 406 do Código Civil, adotado pelo STF para a supressão dos juros de mora fixados na Lei n. 8.177/91, diz, expressamente, que a SELIC, abrangendo os juros, só teria incidência quando o contrato não estipula a questão de modo diverso. 

Ocorre que nos contratos cíveis o credor tem totais condições de ‘impor’ cláusulas moratórias, gerando como efeito que previsão do art. 406 do Código Civil raramente tem aplicabilidade, instaurando-se debates jurídicos, isto sim, tão somente com relação aos denominados “juros abusivos”. Já nas relações de trabalho, diante da desigualdade contratual das partes que lhe caracteriza, sempre favorável ao empregador (devedor no caso de uma condenação judicial), inexiste a hipótese de que sejam fixados nos contratos de trabalho juros moratórios, juros compensatórios e multa por inadimplemento em favor do trabalhador (credor). Assim, para que se efetive uma concreta equiparação dos dois créditos – até como resultado do efeito vinculante da decisão do STD – a aplicação da regra estampada no parágrafo único do artigo 404 é uma consequência da qual não se pode fugir.

Do contrário, o que se teria não seria uma equiparação e sim um autêntico rebaixamento do crédito trabalhista em relação ao crédito cível, até porque, considerados vários outros dispositivos legais aplicáveis à situação tais como, por exemplo, a Lei n. 12.529/11, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e a Lei n. 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor), não se pode conceber que o infrator da lei obtenha na própria ordem jurídica um fundamento para constituir e preservar, sobre a concorrência, uma vantagem econômica, obtida com o ato ilícito praticado. 

Neste sentido, bem ao contrário do sugerido na decisão do STF, que vê nos juros de mora tratados na Lei n. 8.177/91, uma forma “de enriquecimento sem causa” do reclamante/trabalhador, a ausência de um gravame econômico pelo ilícito praticado representa, isto sim, um “enriquecimento ilícito” do devedor/empregador, um incentivo para a prática ilícita, a desconsideração dos interesses vitais da vítima e uma forma de punição dos demais empregadores que cumprem regularmente a legislação do trabalho, subvertendo toda a lógica do aparato jurídico. 

O inegável é que não há remuneração adicional fixada nos contratos de trabalho para as perdas e danos presumidamente experimentados no curso da relação de emprego decorrentes do desrespeito das regras legais. Nas relações cíveis, o credor (aquele que, por exemplo, vende ou aluga uma mercadoria ou empresta dinheiro) guarda, consigo, garantias legais e contratuais. Expressam-se, neste sentido, além do direito à correção monetária também os juros de mora, decorrentes do mero atraso do cumprimento da obrigação assumida, e os juros compensatórios/remuneratórios, que servem como indenização prefixada por danos, os quais, inclusive, são presumidos e, portanto, não dependem de prova. E, segundo estabelece a Súmula 102 do STJ, não há anatocismo quando o contrato estipula que os juros moratórios incidam igualmente sobre os juros compensatórios. 

Além disso, aos juros moratórios e aos juros compensatórios ainda se pode acumular a multa contratual (APL 0002608-60.2016.8.08.0050 – TJ(ES). No caso específico dos empréstimos financeiros é possível ainda fixar juros remuneratórios independentemente de qualquer inadimplemento, sendo considerados como o próprio preço do negócio. A única restrição à aplicação dos preceitos referentes aos juros gira em torno da avaliação do caráter abusivo dos percentuais, os quais, em geral, são contratualmente impostos por empresas (que são também os empregadores/reclamados) a consumidores (que são, potencialmente, os trabalhadores/reclamantes). 

No exame da abusividade foram fixados os entendimentos jurisprudenciais de que: – os juros moratórios – incidentes desde a data do inadimplemento (art. 397 do CC) e não da propositura da ação judicial, como se consagrou na realidade jurídica trabalhista – devem se limitar a 12% ao ano; – os juros compensatórios, para as lojas varejistas, se limitam a 12% ao ano (STJ, RE nº 1720656 – MG – 2018/0017605-0); – os juros compensatórios, para as instituições financeiras, não encontram limite (Súmula 382 do STJ), sendo avaliados em função da “média de mercado”, conforme parâmetros definidos pelo Banco Central (https://www.bcb.gov. br/estatisticas/txjuros); – a multa contratual, também possível, não se entende abusiva nos percentuais de 10 a 20%. 

O crédito do trabalhador decorre de direitos trabalhistas não respeitados e esses direitos, em geral, visam a remunerar o trabalho que já foi prestado pelo(a) trabalhador(a), durante certo período (uma semana, um mês ou doze meses). Na ausência do pagamento do direito que decorre do trabalho prestado o que se tem, por consequência, é trabalho não remunerado. E como o trabalho prestado gera valor (de forma direta ou indireta – não sendo pertinente aqui adentrar a discussão em torno dos conceitos de trabalho produtivo ou improdutivo), em benefício daquele que se utiliza desse trabalho para a satisfação de seu interesse econômico (manifestado direta, ou indiretamente), o trabalho não remunerado se apresenta, efetivamente, como apropriação (por meio de ardil, artifício ou qualquer outro meio fraudulento) de algo que lhe pertence, a mercadoria força de trabalho, levando consigo também as necessidades e os sonhos daqueles(as) dos quais a força de trabalho se extrai. Esse valor subtraído do patrimônio do (a) trabalhador(a), além disso, é utilizado pelo devedor para nova investida econômica.

No caso de casas comerciais, para o acesso a todos os bens necessários à circulação das mercadorias. No caso dos Bancos, o dinheiro retido é oferecido no mercado a juros remuneratórios /compensatórios na média de 100% ao ano. Além de tudo isso, a SELIC estimada pelo Banco Central do Brasil como instrumento de política monetária está, atualmente, fixada em 2% ao ano, enquanto a inflação acumulada no ano de 2020 alcançou 4,23%. Todos esses aspectos considerados fazem com que seja altamente necessário (e com grandioso atraso) atrair para os créditos trabalhistas, como, aliás, determina a decisão do STF na ADC 58, ao menos a incidência dos juros compensatórios e isto, considerando a desigualmente material dos contratantes trabalhistas, só se dará por meio da aplicação (de ofício) do parágrafo único do art. 404 do Código Civil, cuja previsão abarca exatamente situações como as que se apresentam nas relações de emprego, quando o credor é a parte economicamente fraca da relação jurídica firmada.

Consideradas as compreensões de que a ilegalidade cometida é trabalho não remunerado, de que a não remuneração do trabalho é uma forma de subtração de uma mercadoria e de que o valor que indevidamente se retém com tal prática serve à obtenção de uma vantagem econômica – que, como dito acima, se perfaz em prejuízo de empregadores concorrentes – uma fórmula mínima de se compensar o dano do(a) trabalhador(a) e reduzir a vantagem do infrator é estabelecer um percentual mensal, no nível da “média de mercado”, sobre a representação econômica dos direitos não cumpridos. 

Respeitados todos esses preceitos e tomando como parâmetro também o princípio da isonomia, integro à presente condenação trabalhista, em favor do reclamante, a título de reparação de danos pelos atos ilícitos reconhecidamente praticados pela reclamada, a indenização suplementar mínima regulada pelo parágrafo único do art. 404 do Código Civil (ao menos em patamar similar ao dos juros compensatórios/remuneratórios jurisprudencialmente autorizados) equivalente ao percentual de 12% ao ano ou, mais precisamente, 0,948% ao mês, incidente sobre os valores mensalmente suprimidos, contando-se da data das respectivas lesões de direitos até a data em que o crédito for integralmente satisfeito. 

No caso de instituições financeiras, pelo mesmo princípio isonômico, a indenização em questão será equivalente a 8% ao mês, conforme a taxa média de mercado atestada pelo Banco Central, para o cheque especial.

[…]

Dispositivo 

Pelo exposto, resolvo conhecer do recurso ordinário interposto por BANCO ALFA S.A., FINANCEIRA ALFA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS e ALFA ARRENDAMENTO MERCANTIL S.A., e, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO;  conhecer do recurso ordinário interposto por SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ESTABELECIMENTOS BANCARIOS DE PIRACICABA E REGIAO, acolher a preliminar de inaplicabilidade da Lei 13.467/2017 aos presentes autos e, no mérito, DAR-LHE PROVIMENTO, para deferir-lhe os benefícios da justiça gratuita, condenar os reclamados ao pagamento do intervalo previsto no artigo 384 da CLT e reflexos, bem como deferir o pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais em favor do sindicato, ora arbitrados em 15% sobre o valor da condenação e, por fim, excluir a condenação do reclamante ao pagamento de honorários sucumbenciais aos patronos dos reclamados, nos termos da fundamentação supra. 

Por imperativo da decisão do STF, expresso também no julgamento das ADCs 58 e 59, assim como na Resolução 672/20(STF), o critério básico de atualização dos créditos trabalhistas deferidos nestes autos, a partir de 11/11/17, é o seguinte:

– incidência do IPCA-E na fase pré-judicial; – a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil), abrangendo correção monetária e juros moratórios;

– são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão (na ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória) todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês;

– devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês;

– os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento (independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal) devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa SELIC (juros e correção monetária), sob pena de futura alegação de colisão com o posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC). 

Considerado o reconhecimento dos atos ilícitos praticados pela reclamada e a ausência de cláusula contratual estipulando juros compensatórios (na forma de indenização por dano presumido) e tomando como parâmetro o princípio da isonomia e os entendimentos jurisprudenciais fixados na esfera cível a respeito do tema (STJ-RE nº 1720656 – MG – 2018/0017605-0 e Súmulas 102 e 382 do STJ), integro à presente condenação, em favor do reclamante, a indenização suplementar mínima regulada pelo parágrafo único do art. 404, equivalente ao percentual de 8% ao mês (vez que a devedora é uma instituição financeira), incidente sobre os valores mensalmente suprimidos, contando-se da data das respectivas lesões de direitos até a data em que o crédito for integralmente satisfeito. 

[…]”.

8 Além de suscitar muitas e razoáveis dúvidas, essa complexa decisão tem gerado interpretações divergentes, sendo que uma delas já foi monocrática e liminarmente apreciada pelo ministro Alexandre Moraes, na reclamação N. 46023, que assim decidiu:

“Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, CONHEÇO PARCIALMENTE da presente reclamação e, nessa parte, JULGO PROCEDENTE o pedido para cassar a decisão reclamada somente no que determinada a incidência de juros de mora equivalentes aos índices de poupança, a partir do ajuizamento da ação. Por fim, nos termos do art. 52, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, dispenso a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 1º de março de 2021”.

9 Ao menos até que seja publicado o acórdão de mérito e em sede de embargos de declaração, ajuizados pela ABHIHPEC — Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, parecem palpáveis as seguintes conclusões:

I a petição inicial deve conter a indicação da correção pré- judicial, calculada desde a lesão do direito, pelo IPCA-E;

II  são válidos e inquestionáveis, por qualquer meio, os pagamentos efetuados até a publicação da Ata de Julgamento, que se deu ao dia 12 de fevereiro de 2021, ao tempo e ao modo oportunos;

III são mantidas incólumes as sentenças passadas em julgado, que, em sua fundamentação, adotaram expressamente a TR ou IPCA-E e juros de mora de 1% ao mês;

IV sujeitam-se à correção pela Selic- que engloba correção monetária e juros-, e nada mais, desde a data da citação, os processos em curso, não importando a fase em que se encontram, sobrestados na fase de conhecimento, por força da decisão monocrática proferida aos de junho de 2020; exarada nos seguintes termos:

“[…] Ante o exposto, defiro o pedido formulado e determino, desde já, ad referendum do Pleno (art. 5º, §1º, da Lei 9.882 c/c art. 21 da Lei 9.868) a suspensão do julgamento de todos os processos em curso no âmbito da Justiça do Trabalho que envolvam a aplicação dos artigos arts. 879, §7, e 899, § 4º, da CLT, com a redação dada pela Lei nº 13.467/2017, e o art. 39, caput e § 1º, da Lei 8.177/91”;

V o acórdão formalizado nas ADCs 58 e 59 e ADIS 5867 e 6021 será aplicado com eficácia erga omnes e efeito vinculante aos processos já transitados em julgado, ainda em fase de execução, sem qualquer manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros, aos quais incidirá tão somente a Selic;

VI somente são passíveis de questionamento judicial, inclusive inexigibilidade do título, as decisões que não estiverem de acordo com as determinações do STF, elencadas nos itens III e IV deste breve arrazoado, consoante se colhe da decisão monocrática proferida pelo ministro Alexandre Moraes ao 1º de março corrente, na Reclamação 40623, por ele resumida nos seguintes termos:

“Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, CONHEÇO PARCIALMENTE da presente reclamação e, nessa parte, JULGO PROCEDENTE o pedido para cassar a decisão reclamada somente no que determinada a incidência de juros de mora equivalentes aos índices de poupança, a partir do ajuizamento da ação. Por fim, nos termos do art. 52, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, dispenso a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 1º de março de 2021”.

Para mais bem aclarar o alcance da decisão monocrática de suspensão dos processos, proferidas pelo ministro Gilmar Mendes, traz-se, aqui, os esclarecimentos por ele prestados em sede de agravo regimental:

“[…] Assim, deve ficar claro que a medida cautelar deferida na decisão agravada não impede o regular andamento de processos judiciais, tampouco a produção de atos de execução, adjudicação e transferência patrimonial no que diz respeito à parcela do valor das condenações que se afigura incontroversa pela aplicação de qualquer dos dois índices de correção. A controvérsia sobre eventuais valores compreendidos no resultado da diferença entre a aplicação da TR e do IPCA-E (parcela controvertida) é que deverá aguardar o pronunciamento final da Corte quando do julgamento de mérito desta ADC. 

Ressalta-se que, com a prolação de decisão final do STF nesta ação, eventuais reflexos da declaração de inconstitucionalidade das normas sujeitam o exercício das pretensões à sistemática trazida pelo CPC, acima descrita.

  1. Dispositivo

Por todo o exposto, rejeito o pedido de medida cautelar no Agravo Regimental, mantendo in totum a decisão recorrida pelos seus próprios fundamentos.

Para que não paire dúvidas sobre a extensão dos efeitos da decisão recorrida, esclareço mais uma vez que a suspensão nacional determinada não impede o regular andamento de processos judiciais, tampouco a produção de atos de execução, adjudicação e transferência patrimonial no que diz respeito à parcela do valor das condenações que se afigura incontroversa pela aplicação de qualquer dos dois índices de correção. 

Publique-se. Int.. Brasília, 1° de julho de 2020. 

Ministro GILMAR MENDES Relator Documento assinado digitalmente”;

VII conforme dispõe a Súmula 734 do STF, acolhida pela Lei N. 13105 — NCPC —, Art. 988, § 5º, I, não se admite reclamação após o trânsito em julgado da decisão reclamada.

Essa premissa é registrada pelo ministro Alexandre Moraes na comentada Reclamação N. 40623, com essas palavras:

“Inicialmente, registro que a presente Reclamação foi protocolada nesta CORTE, em 24/2/2021. Desse modo, é inaplicável, ao caso sob exame, o art. 988, § 5º, inciso I, do CPC, assimilação, pelo novo código processual, de antigo entendimento do STF, enunciado na Súmula 734 (Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal), uma vez que, segundo informações obtidas no sítio eletrônico do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, os autos nos quais foi proferido o ato ora impugnado encontram-se em tramitação, tendo sido recentemente expedida intimação (24/2/2021)”.

10 Se os pontos acima encontram-se mais ou menos claros, remanescem dúvidas que não encontram eco no texto da decisão sob comentários, dentre as quais se destaca:

I a partir de quando os feitos da decisão sob discussão revestem-se da condição de vinculante e de eficácia erga omnis: da publicação da Ata de Julgamento, que se deu aos 12 de fevereiro de 2021, em conformidade com a jurisprudência anterior do STF; ou da publicação do acórdão que é regra processual universal?

No primeiro sentido, tem-se as seguintes decisões do STF:

“A decisão de inconstitucionalidade produz efeito vinculante e eficácia erga omnes desde a publicação da ata de julgamento e não da publicação do acórdão. 3. A ata de julgamento publicada impõe autoridade aos pronunciamentos oriundos desta Corte”. (Rcl 3.632 – AM (AgR), Rel. Min. Marco Aurélio (redator do acórdão: Min. Eros Grau), Tribunal Pleno, DJ 18/8/06.)

“[…] o efeito da decisão proferida pela Corte, que proclama a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, inicia-se com a publicação da ata da sessão de julgamento”. (Rcl 3.473 – DF (AgR), Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ 9/12/05)

No segundo, militam os Arts. 230 e 231 do CPC, que dizem:

“Art. 230. O prazo para a parte, o procurador, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública e o Ministério Público será contado da citação, da intimação ou da notificação.

Art. 231. Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do prazo:

[…]

VII – a data de publicação, quando a intimação se der pelo Diário da Justiça impresso ou eletrônico”.

II a decisão em questão afirma que “à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil)”.

Todavia, não faz referência alguma a como proceder entre o ajuizamento da ação e a citação. Aliás, esse é dos questionamentos insertos nos mencionados embargos de declaração;

III a decisão do STF, ora objeto de discussão, versou tão somente sobre juros moratórios, não fazendo qualquer alusão a estes, ainda que por via oblíqua, à indenização compensatória de que trata o Art. 404, Parágrafo único, do CC.

“Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar”.

Há entendimento, já esposado pela 6ª Câmara da 3ª Turma do TRT da 15ª Região, no processo retromencionado — N.  0012372-23.2017.5.15.0137  —, que, pari passu com a taxa Selic, pode ser deferida a indenização compensatória, prevista nesse dispositivo do CC;

IV como proceder, nos casos em que a sentença passada em julgado, expressamente, deferiu juros moratórios de 1% ao mês, mas, quanto à correção monetária, limitou-se a dizer na forma da lei?

Em casos que tais, nos termos do item “iii”, da decisão do STF, não cabe discussão no tocante aos juros moratórios de 1% ao mês. Porém, no que diz respeito à correção monetária, não há sequer indicação por qual índice deva ser calculada, ou se sua aplicação, ainda que pela TR, importaria bis in idem, em razão de a Selic englobá-la, juntamente com os juros de mora.

Diante dessa decisão do STF, generosa para o capital e catastrófica para os trabalhadores, o último bastião que resta a estes é o do legislativo, como expressamente registrado naquela; o que, convenha-se, nesse contexto, apresenta-se como tarefa gigantesca e quase inalcançável, haja vista o Congresso Nacional, em sua esmagadora maioria, fazer coro com o STF em tudo quanto seja  benéfico ao capital e prejudicial aos trabalhadores, como atestam as emendas constitucionais (ECs) 103/2019, que deformou a previdência social, e a 109/2020, que abriu largos à privatização e limitou o auxílio emergencial a R$ 44 bilhões, o equivalente a 9,48% do que é sonegado em tributos, anualmente, da ordem de R$ 417 bilhões, de acordo com o “Estudo Sobre Sonegação Fiscal das Empresas Brasileiras”, feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).

Ao debate e à luta!

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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