“Que nenhum educador precise escolher entre saúde e sustento”, afirma Lidiane Christovam no Contee Conta
Programa debateu a realidade alarmante do adoecimento docente e os caminhos coletivos para enfrentar a crise da saúde mental na categoria
A última edição do Contee Conta, realizada em 28 de abril, promoveu um debate essencial sobre a saúde mental dos trabalhadores e trabalhadoras da educação, destacando o crescente cenário de adoecimento, os impactos da precarização e os caminhos de resistência construídos coletivamente.
Mediado pela jornalista Romênia Mariani, o programa contou com a participação da professora Lidiane Christovam — docente do ensino superior, diretora do SinproSP e pesquisadora na área de saúde mental docente — e de Gilson Reis, coordenador-geral licenciado da Contee. Juntos, analisaram dados preocupantes, denunciaram a financeirização da educação e destacaram a urgência de políticas públicas e ações sindicais para garantir saúde, dignidade e valorização para a categoria.
Adoecimento crescente e o direito à saúde mental
Logo no início, Lidiane reforçou a gravidade do tema: “A saúde do trabalhador é um direito fundamental. E a saúde mental também.”
A professora trouxe dados divulgados em março pelo Ministério da Previdência: em 2024, foram registrados 472.328 afastamentos por transtornos mentais. O aumento foi de 68% em relação a 2023, e de 400% em comparação a 2014. Segundo ela, esses números já alarmantes podem estar subnotificados: “Mesmo tão estigmatizado, a gente já teve esse aumento. E o mais grave é que ainda não temos o retrato real do que está acontecendo no país.”
Mulheres educadoras, sobrecarga e barreiras no cuidado
Lidiane também destacou o impacto desigual da crise sobre as mulheres, que representam a maioria na educação básica: “64% desses afastamentos são de mulheres, diagnosticadas principalmente com ansiedade e depressão. Mulheres com jornadas triplas, que adoecem por sobrecarga.”
Ela ressaltou a dificuldade de acesso ao cuidado psicológico, lembrando que 84% da população brasileira depende exclusivamente do SUS: “A importância do Sistema Único de Saúde é enorme para essa trabalhadora que, muitas vezes, não tem sequer como procurar tratamento.”
Plataformas digitais, informalidade e perda de direitos
Outro ponto abordado foi a intensificação do trabalho docente com o avanço das plataformas digitais e a informalidade: “Essas plataformas aumentam o desgaste e a falta de limites no trabalho. A pressão por metas e a constante cobrança geram um ciclo exaustivo. O trabalhador acaba inserido na lógica do empreendedorismo, sem perceber que está perdendo direitos fundamentais, como o da desconexão.”
Ela defendeu que enfrentar esse cenário exige ação política, acolhimento institucional e articulação sindical: “O sindicato e as associações têm obrigação de escutar esses profissionais. A sobrecarga, a infraestrutura precária e a desvalorização funcionam como catalisadores para o desenvolvimento de transtornos mentais.”
NR1 e a urgência da proteção psicológica
A professora salientou a importância da Norma Regulamentadora nº 1 (NR1), que estabelece diretrizes para ambientes de trabalho psicologicamente seguros: “Essa norma está avançando na proteção psicológica. Muitas vezes as leis existem, mas demoram a ser aplicadas ou sequer são conhecidas. Nossa luta é fazer com que todos conheçam e façam valer essas normas nos espaços coletivos.”
Lidiane reforçou ainda o papel do professor como agente de acolhimento — o que exige que ele também seja acolhido: “O professor é o principal catalisador do acolhimento. Muitas vezes ele nem percebe que está adoecendo. Precisamos de estruturas multiprofissionais. A conversa, o encaminhamento e o apoio institucional podem ser decisivos.”
Precarização estrutural e informalidade
Gilson Reis abordou o cenário estrutural do mercado de trabalho no Brasil, evidenciando que 60% dos trabalhadores estão na informalidade: “Temos cerca de 105 milhões de pessoas em idade ativa, mas só 40 milhões com emprego formal. Destes, mais de 470 mil se afastaram por adoecimento relacionado ao trabalho — e o número real é ainda maior.”
Ele criticou o desmonte de políticas públicas trabalhistas e o enfraquecimento da regulação: “Estamos saindo de um período das trevas, de Temer e Bolsonaro, que destruíram a CLT, desmontaram o Ministério do Trabalho e a Fundacentro. O Estado foi enfraquecido para não regular mais nada. E agora, o Supremo Tribunal Federal, com o Gilmar Mendes, quer legalizar a pejotização na educação. Isso é o fim da linha. Se for aprovado, professores não serão mais trabalhadores, serão empresas — e sem direitos.”
A mercantilização do ensino e o adoecimento no setor privado
Gilson também chamou atenção para os profundos impactos da financeirização da educação, especialmente no ensino superior privado. Segundo ele, grandes grupos econômicos abriram capital na Bolsa e passaram a tratar os estudantes como ativos financeiros.
“O que se vende hoje não é ensino, é gente nas plataformas. Quanto mais alunos, mais valor para os acionistas. E para dar lucro, reduzem o maior custo: o professor.”
Gilson alertou que esse modelo transforma a lógica educacional em um ciclo de captação e descarte, baseado apenas em números de matrícula: “É bom lembrar: 53% dos alunos que entram em cursos EAD abandonam no primeiro ano. Mas isso não importa para o mercado. O que importa é dizer que matricularam 5 milhões em fevereiro. Se só 1 milhão permanecer até o fim do ano, tudo bem — no ano seguinte, outros 5 milhões entram. O importante é continuar vendendo ilusão.”
Ele também denunciou a ausência do Estado na regulação do setor, o que agrava ainda mais a precarização: “A tragédia maior é que não temos o Estado regulando nada. Estamos lutando há anos pela regulamentação do EAD, do ensino superior privado, do Sistema Nacional de Educação e do Plano Nacional de Educação. Enquanto isso, o capital financeiro nada de braçada, reduzindo qualidade, precarizando o trabalho e adoecendo quem ainda acredita na docência como missão de transformação.”
“Todos os dias é o nosso 1º de Maio”
Encerrando sua participação, Lidiane deixou uma mensagem contundente: “Que neste 1º de Maio, como em todos os outros dias, possamos honrar a história e a resistência da classe trabalhadora. Que nenhum educador precise escolher entre saúde e sustento. A valorização do trabalho começa com a construção de um futuro digno — e isso exige compromisso diário.”
Ela finalizou com um chamado à coletividade: “A luta é sempre coletiva. Todos os dias é o nosso 1º de Maio. A nossa luta é grande.”
Por um novo ciclo de mobilização
Gilson Reis encerrou o programa com uma reflexão sobre os desafios do presente e a esperança no futuro do movimento sindical: “Estamos atravessando um ciclo de dificuldades, mas ele será superado. O nosso objetivo é construir uma nova organização da sociedade, com novos conceitos políticos, sociais e econômicos. Precisamos pensar outra perspectiva para a humanidade.”
Por Romênia Mariani